A cultura de direita é uma cultura na qual o passado é uma espécie de mingau homogêneo que pode ser preparado e conservado de maneira muito útil. Cultura em que prevalece uma religião da morte ou uma religião dos mortos exemplares. A cultura em que se declara que existem valores não questionáveis, indicados por palavras iniciadas por letra maiúscula, especialmente Tradição e Cultura, mas também Justiça, Liberdade e Revolução. Em suma, uma cultura feita de autoridade, de segurança mitológica em relação às regras do conhecimento, do ensino, do comando e da obediência. A maior parte do patrimônio cultural, mesmo das pessoas que não querem, hoje, de forma alguma, ser de direita, é um resíduo cultural de direita. Nos últimos séculos, a cultura protegida e ensinada foi, sobretudo, a cultura de quem era mais poderoso e mais rico, ou, mais exatamente, não foi, a não ser minimamente, a cultura das pessoas mais fracas e mais pobres. É inútil e irracional ficar escandalizado com a presença desses resíduos, no entanto é necessário tentar saber de onde eles vêm. Original estudioso da mitologia moderna, Jesi dedica os estudos aqui reunidos a identificar as matrizes subterrâneas e a linguagem das «ideias sem palavras» da cultura de direita entre os séculos xix e xx; e o faz desmascarando os clichês, fórmulas e slogans que aludem a um «vazio» a ser preenchido com materiais mitológicos, um núcleo mítico profundo e incognoscível, mas fundador e modelador, ao qual se referem os «valores não questionáveis» de Tradição, Passado, Raça, Origem, Sagrado. Partindo dessa perspectiva, Jesi investiga o esoterismo de Julius Evola e o luxo retórico de D’Annunzio, as páginas de Liala e Pirandello, os aparatos linguísticos e icônicos subjacentes ao fascismo e neofascismo, nazismo e racismo. Esta primeira edição brasileira de um livro ainda muito atual é acompanhada por três textos inéditos e uma entrevista.
Sobre o autor(a)
Pessoa, Davi
Davi Pessoa - Professor do Instituto de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e do Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro(UNIRIO). Autor de Terceira margem: testemunha, tradução (2008), Dante: poeta de toda a vida (2015), com Maria Pace Chiavare, e Pasolini: retratações (2019), com Manoel Ricardo de Lima. Atua também como tradutor, tendo já traduzido livros de Giorgio Agamben, Pier Paolo Pasolini, Donatella Di Cesare, Roberto Esposito, Furio Jesi, Elsa Morante, Italo Svevo, entre outros. |